terça-feira, 14 de dezembro de 2010

a mulher de calcinha

a mulher de calcinha acordou sozinha. sentiu-se gravemente só. lavou o rosto com água gelada e tomou seu café preto. o mundo não ia muito bem econômica-política-social-mente, pelo que as letras sujas do jornal diziam. as festas de natal, sim, iam muito bem. as competições pelo melhor enfeite iam de vento em popa em todo o país. bocejou.
seu telefone tocou:
- sim?
- bom dia, querida!
- oi, mãe.
- como você está?
- sentada.
- e o trabalho?
- o trabalho e o tempo não têm se dado bem.
- oh, filha... quando você vai parar? quando vem nos ver?
- você sabe bem que uma coisa não leva à outra, não é?
- tenho fé que leve.
- semana que vem estarei aí.
- ótimo, filha!
...
- sentimos sua falta, querida...
- semana que vem, tá bom?
- está bem.
- tchau.
- um beijo, filha! bom trabalho!
a mulher de calcinha levou as palmas das mãos aos olhos e os pressionou com muita força. seus lábios se comprimiam mais e mais e seu peito tremia. enfim, soluçou. limpava as lágrimas com muita pressa, com medo da solidão notar o acontecido e gargalhar às suas custas. soluçou.
levantou-se da poltrona e foi até o banheiro. fitou-se no espelho com muita firmeza. ali ficou por algum tempo, até que os soluços cessassem e o peito voltasse a inspirar e expirar com consciência. então colocou as mãos sobre os seios. começou a acariciá-los até que seus bicos ficassem rijos. deu um longo beijo no espelho, deixou cair mais uma lágrima e foi trabalhar.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

recado-passado sem prosa

trate-me como sempre foi que eu finjo que não mudei
toque-me com desejo que lhe faço doer
guarde seu sarcasmo que eu guardo os meus medos
faça seus planos e me conte, assim invento uns outros e os descrevo com detalhes
poupe-me das suas dúvidas que eu lhe poupo do que tenho certeza.

aí a corda bamba vai parecer um pouco mais firme e poderei caminhar sobre ela como se flutuasse.




terça-feira, 19 de outubro de 2010

eu-lírico

a vontade de escrever era diária. hoje me disponho a expor qualquer-coisa muito de vez em quando e, nessas vezes poucas, mais apago do que publico. penso que algumas outras atividades ganharam status-vital, enquanto esta, quase-tão aconchegante quanto meu silêncio, porém mais frágil, tem-se-perdido no nada. naquela fase de me perguntar os porquês, lembro da ansiedade. dos movimentos longos, dos mais curtos, da tensão. não sei, de verdade, se ela está escondida aqui, talvez dopada por um tempo, aguardando lá no fundo seu momento triunfal de acordar. deve estar domada por uma calma ainda crua. ainda sem pêlos e sem todos os dentes. como ela tem algum poder, também não entendo. não entendo muitas coisas e ainda me sinto triste por isso. mais uma prova da imaturidade. quando eu sentir, mas sentir mesmo, lá no fundo, que não é possível saber tudo, este será o dia da construção do busto da minha paz. será branco. e eu vou morar dentro dele pra sempre, no alto da montanha mais alta do mundo, onde não é possível respirar o que respiro hoje, mas só o que tem lá em cima.

domingo, 3 de outubro de 2010

[meu] ensaio sobre o gosto

das coisas que me agradam, algumas sofrem por um processo-de-afeto muito confuso que - ainda - me deixa perplexa.
primeiro, existe o meu gostar. indiscutível (por falta de argumentos ou excesso de em um lado só da balança). aí vem o mergulhar, que dura pouco e é bem intenso. depois cai num evitar, sem grandes esforços. é meio que um turn a blind eye pro que não deveria parecer coisa errada. então, o que era só um desvio vira desespero, uma ânsia absurda por distância. não posso ver, ouvir, tocar, nem mesmo lembrar, sem que meu corpo entre em colapso. só o fato d'essa reação anormal não estar sob meu controle já me deixa à flor da pele. essa fase também dura pouco. aí vem o branco: é como se nunca tivesse ouvido falar naquilo. até que os fatos começam a me levar à coisa novamente. um dia depois do outro, e lá vem ela se apresentar a mim. percebo, então, que gosto daquilo.
finalmente, é um gostar tranquilo, que quase sempre dura pro meu sempre.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

tempo, tempo, tempo, tempo...

um outro nível de vínculo.

Foi assim que encontrei dalia

Ao toque do gracejo, da zombaria

No errado atraente que vibra e sacia

Tamanho desejo de ser vadia

Do suborno quente que meus peitos

Oferecem à boca sedenta de prata

Das palavras chulas que meus lábios carnudos insistem em declarar

Da rima mal feita, dos acordes maiores, do pandeiro bruto e sedutor

Foi daí que me nasceu dalia

Da conquista diária

De Caetano à Amélie

Dos bandolins e botequins

Tá na cara!

Foi assim que me encantou dalia

Essa dança entregue ao pulso

Esse corpo entregue ao mundo

Essa ânsia imensurável por amor

É assim que faz doer dalia

A nudez dourada e imperfeita

Que as sementes trazem em flores vermelhas

O café que pensa

O cigarro que cala

Os vestidos que voam

É assim que faz amar dalia

É assim que se faz dalia: Acordes, amor e zombaria.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

quase meio-dia, cheguei na estação do metrô. reconheci uma mulher que estava ali perto. ela havia sido minha professora de português mais ou menos na sétima ou oitava série. nos cumprimentamos, felizes. ambas lembrávamos de nomes, cenas, colegas e aspirações da época. o diálogo de uma estação me deixou com um sorriso discreto e pensativo por todas as demais, até a luz. estava quase passando pela catraca quando um rapaz gritou meu nome. olhei pro lado, e lá estava ele: um colega da escola que eu não via há pelo menos oito anos. nos cumprimentamos, felizes. ambos lembrávamos de nomes, cenas, colegas e aspirações da época. aquele sorriso aumentou.
na aula de piano, as aspirações de uma outra época tomaram corpo e som e alma. diálogos infindos sobre ele, o som, e sobre a alma, a filosofia, seres humanos, seres sobre-humanos e deus.
mais tarde, alunos aplicados - uns mais, outros menos. um dia sem faltas, cheio de notas. boas notas.
à luz da cheia lua, um show de voz e sentimento. musicalidade pura.
depois da meia-noite, um abraço apertado no tão-amado aniversariante da vez.

é bom demais terminar o dia assim, com um sorriso só não maior por falta de espaço.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

nada

esses dias me bateu uma vontade enorme de viajar. uma amiga me contou sua experiência num retiro espiritual que tem aqui perto. ela passou quatro dias lá. acordava às cinco da manhã. meditava até sete e meia. fazia ioga até dez horas e só então ia tomar o café da manhã. umas frutas e cereais e outras coisas do gênero completavam o cardápio. depois conversava com o "dono" do lugar, numa espécie de terapia disfarçada. tinha a tarde toda pra não fazer nada e às oito da noite todas as luzes se apagavam.
considerei a possibilidade por um tempo, mas entendi que talvez meu estômago ainda não esteja preparado pra tantos espelhos numa sala fechada.
pensamos em buenos aires. foi difícil achar uma data compatível até o fim de outubro (quando acaba o prazo de uso de umas boas milhas de desconto). tão difícil que realmente não deu certo.
bom, eu só queria uns dias de céu azul, ar puro, silêncio, amigos pra me espantar de mim um pouco, leite com nescau gelado ao acordar às onze horas, almoço farto, uma ou duas cervejas, que é o que dá... mas, acima de qualquer coisa, nada.
absolutamente nada na cabeça.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

narração sem foco

foi um dia de muito a fazer e pouco a pensar. música o dia todo. uma porção de encantos ainda não absorvidos, outra que pode ficar esquecida. quando cheguei em casa, meu corpo e minha mente competiam pelo maior peso. sabia que se fosse dormir àquela hora, sonharia com quadrados mágicos no espelho de bolso do stravinsky, enquanto ele conversava com debussy sobre os horários de reposição de suas aulas da semana seguinte, já que teria que desmarcar todos os alunos dessa semana para assistir à sétima sinfonia de mahler na sala são paulo. então jantei minha lasanha de calabresa com guaraná enquanto lamentava o primeiro gol do corinthians. no intervalo, pulei pro debate dos candidatos ao governo do estado de são paulo. muitas promessas, dados estatísticos duvidosos e microfones-mutados-ao-final-do-minuto-e-meio depois, fui pra cama. pensei no Sol que está na espanha agora e me bateu uma vontade de chorar. coloquei caetano pra cantar "mora na filosofia" e me deixei chorar. antes de finalmente apagar, peguei o livro dos anjos, meditei um pouquinho nele e abri: "o anjo da magia". pensei ainda mais no Sol e em coisas de amor, assim, e chorei mais um pouco. finalmente dormi.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

umas cervejas e uma senhora

na última quinta-feira, finalizei meu trabalho e resolvi tomar uma cerveja. sozinha, dessa vez. peguei o metrô e fui até a estação parada inglesa. desci e parei no primeiro posto que apareceu. um shell com dois frentistas entediados e uma conveniência vazia. era o lugar certo. fiz cara de não-enche e entrei na loja. peguei uma skol, paguei e sentei no banquinho de fora. finalmente me espreguicei. estralei a nuca. olhei pra cima e suspirei. peguei a segunda, aí a terceira. aliviada, mas talvez tão entediada quanto aqueles dois, fui embora. estava pra pegar o embalo da escada rolante, quando uma senhora me ultrapassou e empacou na minha frente. ela usava roupas de lã muito coloridas e um gorro bizarro, daqueles com pom-pom em cima. estava com uma mala de rodinha - a tal mala que fez com que ela demorasse anos pra "entrar" na escada. percebi a dificuldade daquela velhinha e fiquei com pena. as duas já levadas pelo degrau, me aproximei:
- a senhora quer ajuda com a mala? - perguntei, olhando em seus olhos. sua pele era muito, muito enrugada.
- vai, dona! vai! ajudá o quê? ajudá como? vai, vai, vai andando! - berrou, com sua mão esquerda segurando a mala e a direita me expulsando dali com movimentos firmes.
saí andando muito rápido e de cabeça baixa. cheguei na catraca com os olhos cheios de lágrimas. me espantei com aquilo e logo me recompus. não sabia bem se era raiva ou susto. ou os dois.
bem-feito pra mim, que fui ter pena de alguém com muitas rugas e muita pressa.